domingo, 16 de outubro de 2011

nelson leirner ou Onirokitschcrítico

      O filme sobre Nelson Leirner é o terceiro de uma série de cinco que martelam a tecla que desafina o coro dos contentes. O primeiro, Daquele instante em diante, de Rogério Velloso, trata de Itamar Assumpção, cantor, compositor abusivamente livre e libertário, intragável pela e para a miopia da indústria fonográfica que engessa a programação colonizada das emissoras de rádio do país.
     O primeiro, Daquele instante em diante, de Rogério Velloso, trata de Itamar Assumpção, cantor, compositor abusivamente livre e libertário, intragável pela e para a miopia da indústria fonográfica que engessa a programação colonizada das emissoras de rádio do país.
Em seguida veio Ex – Isto, direção de Cao Guimarães, perigoso e necessário exercício de narrativa fílmica ancorado na obraCatatau, do poeta Paulo Leminski. Em trópicas e tórridas terras, o ator João Miguel, na ambicionada representação de Renatos Cartesius, num Recife banhado ao reggae e em pipoca moderna.
      Agora, é a vez de Assim É, Se Lhe Parece, direção de Carla Gallo, belo documentário que rodopia em torno desse “cacareco ambulante”– se essas palavra o definem – que é o artista Nelson Leirner.
      Outros filmes anunciados nesse projeto e ainda não lançados,  referem-se ao diretor do Teatro Oficina, José Celso Martinez Correa – por sinal diretor entre outros de 25, co-dirigido por Celso Luccas – sobre a Revolução em Moçambique, e a Rogério Sganzerla, diretor de filmes experimentais, e cuja fita mais conhecida e discutida é o célebre O Bandido da Luz Vermelha.Os seguidores da série Iconoclássicos esperam ansiosos por essas películas que também fogem do esquema da conspiração mercadológica em voga no cinema brasileiro atual.
      Estes filmes seccionam o olho do espectador viciado no ópio de imagens e sequências que narram histórias. Desencanto, desagrado, desafio, é o que há nestes filmes. Não são espetáculos artísticos, alta costura estética, as obras e os seus autores. Talvez não passem de pura burla, e aí está o segredo. Mas, todos tratam de gente de carne e osso que produziram canções, escritas, instalações, invenções num tempo guerra, e a pior destas batalhas chama-se consumo, consumismo.



Nelson Leirner

      Ao rever pela terceira ou quarta vez Assim É, se Lhe Parece, fiquei com a sensação que a cineasta Carla Gallo vai merecer da crítica o troféu abacaxi. Mas ela merece. Sem endeusamento ou fissuras intelectuais, a câmera sob a sua direção dá voz ao vento a esse camelô do insólito que é Nelson Leirner.
      Aos críticos especializados no cinema e nas artes plásticas eu diria que Carla Gallo coloca sutilmente questões que vêm sendo debatidas desde o ensaio da reprodução da obra de arte, do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940).
      À moda acadêmica e para ancorar o meu argumento e passar por menos ignorante, há no filme uma bela sequência onde Nelson Leirner mostra um livro de Paul Klee afirmando que para ele tudo começou ali, numa percepção que a arte pode ser também o caminho do não-saber. Sem confundir isso, claro, com o ódio ao saber seja pelas elites dominantes, seja pelos recém-chegados ao poder.
      Ou seja, o filme coloca direto: onde encontrar a diferença entre uma obra de arte e uma mercadoria? Sem fazer disso uma tese, Carla Gallo deixa a câmera fluir nas pequenas observações de Nelson Leirner, que coloca de modo arguto e afetivo, racional e provocador, que a Monalisa e um sapo do Saara, esse camelódromo do Rio de Janeiro, andam no mesmo pé.
      O pinguim de geladeira e um original de Van Gogh, reduzido agora a um poster, ambos foram assimilados pelo consumismo e mais do que nunca pede-se aos apreciadores de obras de arte que saibam olhar e devorar o que está disponível no grande mercado das artes.
Ou é uma enorme lona de feira ou uma esfiha de carne, para André Abujamra. Nada mais antigo que a novidades e nada mais desafiador que o senso comum. A mim pareceu que este documentário passeia pelo Onirokitsch, termo criado por Walter Benjamin para falar deste  “caminho direto à banalidade”. Eu diria, com respeito, que Nelson Leirner toma a arte, este belo príncipe, e o transforma em sapo. Operação delicada esta.
      Ao Louvre, Nelson Leirner responde com um passeio pelo Saara. Aos leilões da Sotheby’s, Leirner responde com uma caminhada pela Rua 25 de Março. Mas, o que há de mais encantador neste filme de Carla Gallo é o humor. Nesse sentido é um antídoto contra a suposta inteligência do humor televisivo.
      O filme tem um frescor, uma ironia do não-confronto, próprios, talvez, do Nelson Leirner. Um filme anti-filme. Um artista do sagrado, mas não da sacralização. Obras cavadas no banal, mas que não celebram a banalização ao contrário de muitos “colecionadores”, como é pontuado no filme.
      Carla Gallo não pretendeu ser didática, esclarecer, explicar para o espectador o sentido e o significado da obra de Nelson Leirner. Não estamos diante nem de um maldito nem de um gênio acessível aos iniciados.
      A obra de Nelson Leirner fala por si mesma. E, penso, uma das belezas deste filme é que Carla Gallo não falou pelo autor, e este deixou que seu trabalho falasse por si mesmo. Maravilha de câmera iconoclássica.


11/9/2011
Leonardo Carmo
Fonte: Via Política: Livre Informação e Cultura

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