domingo, 27 de janeiro de 2013

                                   O Fantasma da Educação nas Barricadas do Cinema


                                   
Educadores buscam formas de combate onde a esperança de transformação possa ser operada para além   do livro vermelho ou das velhas ortodoxias políticas e práticas totalitárias na china e na ex-união soviética.


Leonardo Carmo
Especial para o Jornal Opção

                                                      O cinema como escrita política da história materializou películas de aceitação massiva  como  “Os Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci, e “Edukators”, de Hans Weingartner, memórias fílmicas de pulsões libertárias, forjadas nas usinas do delírio e do desejo. Bertolucci — Maio de 1968 — e Weingartner — União Europeia — mergulham no mundo do sonho da cultura de massa, e discutem, no passado e no presente, o problema da ação que pode desencadear o despertar coletivo como sinônimo de uma conscientização revolucionária de classe. Nessa onda, “Amantes Constantes”, de Philippe Garrel, 2005, uma experiência cinematográfica radical, rememora Charles Baudelaire e Thomas de Quincey. E ninguém melhor que Louis Garrel — objeto de mostra no Centro Cultural Banco do Brasil, 2013  — o ator fetiche do cinema francês — para dar corpo e alma a esse mix de Gandhi-John Lennon-Sade-Slavoy Zizek.  No filme, em 1969, um grupo de jovens dedica-se ao consumo do ópio, após ter vivido os acontecimentos de 1968. Um romance intenso nasce dentro deste grupo entre dois jovens que se conheceram durante a revolta. Depois  que a classe operária foi ao paraíso, chegou ao poder, comprou celulares e carros a prestação, a revolução parece ter colocado pantufas, sentando-se no sofá, curtindo a programação da MTV ou a pornografia disponível na web. Amor e revolução transformaram-se em fumaça do ópio ou do consumo. Mas quem joga a história e a consciência de classe em uma mina é Danis Tanovic e o surrealismo belicista — surrealismo para quem patrocina as guerras, não para quem morre nelas — com “Terra de Ninguém”, 2001 — não o da odisseia no espaço mas o da laranja mecânica da guerra —  sobre o conflito nos Balcãs entre bósnios e sérvios.  A coca-cola da China configura nova estética. Essa estética se materializa em “Cosmópolis”, 2012, de David Cronenberg.   Mas antes que o cineasta de “eXistenZ”, defina que a nova unidade monetária é o rato, Wolfang Becker  também joga György Lukács no cemitério dos sonhos. “Adeus Lênin”, 2002, com o qual “Barbara”, de Christian Pet­zold, 2012, dialoga. O tema do filme pode-se dizer são os campos de reeducação socialista. Aliás, a versão fílmica do socialismo não é a mesma dos manuais.

Revivendo a visita do fantasma da revolução ou do que dela sobrou nas barricadas do cinema, e tão explosivo quanto Bertolucci, Weingartner e Garrel, só mesmo Lukas Moodysson, em “Para Sempre Lilya”, 2002, os bisnetos da Revolução Russa na lama do socialismo em um lugarejo perdido da Estônia. Para o diretor, só os anjos sobrevivem ao lamaçal soviético. Talvez este filme possa ser analisado como o anjo   da história das teses de Walter Benjamin. Uma tempestade empurra o anjo para o  futuro e no presente ruínas chamadas de progresso se acumulam diante dos seus olhos.  Em que medida a história no cinema é diferente — qualitativamente da história escrita? Ou, o que aprendemos com a história em sua versão cinematográfica?

Walter Benjamin  discute o papel transformador do cinema a partir do ensaio “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, 1936, tido em geral como uma afirmação da cultura de massas e das novas tecnologias por meio das  quais ela é disseminada. No texto, Benjamin enfatiza o papel cognitivo e, portanto, político da experiência cultural mediada pela tecnologia, privilegiando particularmente o cinema. Aplicar as teses do ensaio atento ao conceito de arte cinematográfica se  insere na seara cognitiva não só no  cinema de Roberto Rossellini ou Alexander Kluge, mas no de  Steven Spielberg e sua aventura em “O Parque dos Dinossauros”. Mesmo que o dito filme comercial não chegue às nuvens de uma arte superior, contribui com uma visão crítica do mundo da ciência e o paradoxo é um produto da cultura de massa cuja representação, imediatamente vista como alienada, critica a alienação. O ensaio de Benjamin abre perspectivas para a análise fílmica trilhando pela derrubada do muro de Berlim, entre os escombros do socialismo e a estética da nova ordem mundial.  Um dinossauro a favor da revolução é uma força considerável. Um blockbuster na crítica social? Em “Ornamento da Massa”, Siegfried Kracauer (Editora Cosac Naify, 2009)  analisa historicamente a relação das classes médias e o cinema como vetor cultural na era da reprodução da obra de arte.  Ou aquilo que Benjamin chama  de valor de exposição.

Quem dirige “Meia Noite em Paris”, 2011, é Woody Allen e não Dziga Vertov. E a Paris das barricadas de “Amantes Constantes” é a Paris charmosa dos anos 1920, memórias de um diretor americano, em um filme velho, para um público que à ousadia do sonho acomoda-se nos clichês do filme charmoso, digestivo. A Paris de Jean-Marie Le Pen e não a do “Fantasma da Liberdade” ou de “A Chinesa”. Nem Godard ou Buñuel. Nem Leos Carax de “Holly Motors”, 2012, dialogando com as limousines de “Cosmópolis”. A função social das limousines: túmulo da arte e do capitalismo.

Depois que as barricadas do desejo foram vencidas pelas bombas de gás lacrimogêneo, o futuro não será mais dominando pela paz e pelo amor de uma sociedade sem classes. O dinossauro de Spielberg é uma metáfora dessa nova ordem. As colunas de fogo da poesia de Charles Baudelaire substituídas pelas cercas elétricas do “Jurassic Park”. O que se materializa não é a revolução,  mas o monstro da razão que domina a natureza. Goya, antevisão das imagens digitalizadas.

Nessa perspectiva,  a arte cinematográfica, e não necessariamente o cinema de arte,  deve criticar a chamada economia global, como no belíssimo “Um Alguém Apaixona­do”, de Abbas Kiarostami,  2012, ro­dado em Tóquio  e cuja narração pode se dar em São Paulo ou Goiâ­nia.  A metáfora cinematográfica: e­du­­cadores buscam formas de combate onde a esperança de transformação possa ser operada para além do livro vermelho ou das velhas or­todoxias políticas.

Esse cinema de maciça força poética parece manter aquele desejo de despertar do mundo do sonho de si mesmo. E mantém  vivas as ideias e práticas situacionistas de Guy Debord, a quem essas fitas poderiam ser dedicadas. Esses filmes mostram que, se a cultura de massa é uma fonte de fantasmagoria do mundo social, é também uma fonte de energia coletiva capaz de superá-la.

Leonardo Carmo é mestre em Educação Brasileira pela UFG