LENHA NA FOGUEIRA
O Dinossauro e o Lago das Rosas
O Dinossauro e o Lago das Rosas
Jornal Pagina Aberta Tocantins/Goiás, 05 a 15 de
Dezembro de 2013
Leonardo Carmo*
Em 2005, Goiânia
viveu curioso caso calote no setor dos agronegócios. Empresários investindo nas
avestruzes como novas galinhas de ouro, tiveram graves prejuízos em suas
finanças.
Em 2012, o Zoológico de Goiânia registrou a morte de seis bichos. Sabe-se
que o local já perdeu quase metade do plantel desde 2005, quando abrigava 780
espécimes. Hoje conta apenas com 491 animais. Somente em 2011, outros 63
morreram. Em 2010, foram 68, e, em 2009, 109. Entre eles dois hipopótamos, um
leão, uma onça, um tamanduá-bandeira, uma girafa, um jacaré-açu e uma avestruz.
A asa negra da mosca pousou sua gosma nos animais do zoo e no sonho
dos investidores.
Alegoricamente esses fatos permitem articular a Teoria da Educação
com o filme Jurassic Park, de Steven Spielberg, cujos ovos de
dinossauros renderam milhões aos produtores. Imaginem um T.Rex no
Lago das Rosas! As cercas do zoológico que não impediram a morte dos animais
tampouco controlariam a fuga de um Velociraptor. Goiânia nessa ficção
seria rapidamente destroçada pelas mandíbulas e garras jurássicas. A situação
seria a mesma de San Diego em O Mundo Perdido, Jurassic Park,
segundo episódio da trilogia.
O Horto Florestal e
o Jurassic Park, são literalmente zonas de diversão e morte.
Qualquer descuido pode ser fatal para os homens ou para os
animais. No cinema o parque torna-se o espaço do horror e da destruição, do
imprevisível. Em muitos filmes, o parque – espaço do conhecimento e do lazer –
torna-se sinistro e ameaçador. Um exemplo clássico é o filme O
Gabinete do Doutor Caligari, Robert Wiene, 1920.
O crítico Siegfried
Kracauer explica na obra De Caligari a Hitler – uma história
psicológica do cinema alemão - que o parque não é liberdade, mas
anarquia gerando caos. Em termos alegóricos, o sistema educacional lembra um
parque entrelaçado com os muros das prisões, dos hospitais, das igrejas, dos
quartéis: uma falsa promessa de felicidade e libertação. A educação
transforma-se em saber que aprisiona.
Em A Outra Face, de John Woo,1997, o parque é o espaço da
desordem dos sentidos. O mesmo acontece em O Fantasma da Liberdade,
Luis Buñuel, 1974. No final deste filme, uma chacina no zoo de Paris,
aterroriza o espectador com sons de tiros, insinuando uma matança de animais e
visitantes ao mesmo tempo
A alegoria dos dinossauros e avestruzes, articulada com a teoria da
educação, talvez possa ser formulada assim: a escola é esse parque no
qual funcionários e professores têm dificuldades de exercer uma
influência pedagógica no - sentido forte do termo - , sobre os alunos. A teoria
da educação – a cerca inteligente – que deveria proteger quem está atrás e além
delas encontra-se arrebentada. Essa cerca, se aceita a metáfora, deveriam ser a
do saber, da libertação. O fato é os estudantes são agrupados em celas
chamadas salas de aulas lotadas e muitos professores já perceberam ser mais
carcereiros e menos educadores.
A experiência de uma educação libertária na qual uma criança deve viver sua
própria vida – não uma vida que seus pais acreditem que ela deva viver, não uma
vida decidida por um educador que supõe saber o que é melhor para a criança ,parece
ter fracassado. O que interessa é a ordem e esse tipo de ordem tem gerado
o caos.
Caos é um conceito fundamental no filme de Spielberg.
Os supercomputadores - metanarrativas educacionais – fracassam no lago
burocrático. A situação fora de controle no Jurassic Park ou no Lago
das Rosas é menos perigosa que a de nossas instituições de ensino .
Do lado de fora, além das cercas e acerca do conhecimento, o T. REX é a
teoria educacional inibindo talento e minando o todo o processo de uma educação
formal efetiva. O filósofo Immanuel Kant, comentou existirem duas invenções
humanas que podem ser consideradas mais difíceis que qualquer outra: a arte
do governo e a arte da educação; e as pessoas continuam a discutir inclusive
seus significados.
As profissões de paleontólogo ou professor exigem a um só tempo o saber
especializado e o generalista. Um paleontólogo pode dar aulas – como Allan
Grant no filme e o professor não raro enfrenta a burocracia jurássica. Ambos
parecem ser espécimes condenadas à extinção. Em uma cena do Jurassic
Park um técnico em informática ironiza que os computadores em breve
substituiriam os paleontólogos.Na outra ponta, professores recém-admitidos em
concurso público abandonam as escolas, anseiam superar cercas da burocracia
ineficiente como os animais pré-históricos escapam do Parque Jurássico.
A educação parece trabalhar contra a inteligência. Os dinossauros
digitalizados do cinema testemunham a monstruosidade do sistema prisional
brasileiro e remete à ineficácia do sistema educacional do País evidenciando
que o homem é o mais indomável dos animais. Como reeducar o que nunca foi
educado, como haver reeducação se não há Educação? Essa observação se correta,
talvez nos permita dizer: no filme de Steven Spielberg, os dinossauros não
atacam os seres humanos. Eles, assustados, se defendem dos neotrogloditas.
Leonardo Carmo - auto-retrato