sábado, 15 de outubro de 2011

O fantasma da revolução nas barricadas do cinema

Luiz Rosemberg Filho - colagem



Filmes mostram que se a cultura de massa é uma fonte de fantasmagoria do mundo social, ela é também uma fonte de energia coletiva capaz de superá-la. 


O cinema como escrita política da história pode ser conferido em filmes não recentes nas telas, mas permanentes na memória da liberdade e do sonho. Refiro-me às produções: Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, em 2003, e Edukators, de 2004, direção de Hans Weingartner. Ambos mergulham no mundo de sonho da cultura de massa, e discutem, no passado e no presente, o problema da ação que pode desencadear o "despertar coletivo" enquanto sinônimo de uma conscientização revolucionária de classe.

Revivendo a visita do fantasma da revolução ou do que dela sobrou nas barricadas do cinema, e tão explosivo quanto Bertolucci e Weingartner, só mesmo Lukas Moodysson, com Para Sempre Lilya, 2002, os bisnetos da Revolução Russa na lama do socialismo num lugarejo perdido da Estônia. Só os anjos sobrevivem ao lamaçal da História soviética.

Os Sonhadores relembra através de três estudantes – Eva Green, Louis Garrell e Michael Pitt – o relâmpago revolucionário do maio de 1968. A descoberta da arte cinematográfica coincide com uma crítica radical do ambiente político e social daqueles anos. Entre Godard e Mao Tse Tung, Buster Keaton e Charles Chaplin, aqueles jovens pareciam não possuir outra alternativa histórica a não ser a de transformar o mundo.

A figura carismática do filme é Isabelle, a Vênus de Milo da nova sociedade que junto com o irmão marcha para as barricadas parisienses e atira coquetéis molotov contra a polícia. A consciência crítica desse momento fica por conta do estudante americano que primeiro envolvido pelo casal de irmãos e, depois, crítico diante da postura deles, percebe no calor da luta das ruas do Quartier Latin, que a batalha já estava ganha pelo sistema. O filme já prenuncia a cara do fantasmagórico american way of life.

A sequência no quarto coberto com cartazes revolucionários e palavras de ordem remete ao filme A Chinesa, 1967 de Jean-Luc Godard, onde a metáfora de Mao Tse Tung como diretor cinematográfico é uma lição política audiovisual de valor nos dias atuais. Quem tem pretensões cinematográficas não pode passar batido por Godard.

Entretanto, quem dirige Meia Noite em Paris, 2011, é Woody Allen e não Dziga Vertov. E a Paris em chamas no cinema é a Paris charmosa dos anos 1920, memórias de um diretor americano que faz um filme velho, para um público que à ousadia se acomoda nos clichês.
Em Os Sonhadores, o estudante americano é lúcido em relação aos episódios da França, é conformista ou realista no que diz respeito ao próprio contexto dos Estados Unidos naqueles mesmos anos. Seria ele o futuro pai do herói americano possíve, Forrest Gump?

Depois que as barricadas do desejo foram vencidas pelas bombas de gás lacrimogêneo, o futuro não será mais dominando pela paz e pelo amor de uma sociedade sem classes. Esta parece ser uma das possíveis leituras no filme Amantes Constantes, 2005, em que o diretor Phillip Garrel evoca o Maio de 1968 na atmosfera das colunas de fogo da poesia de Charles Baudelaire.

O futuro será o da União Europeia, ambiente do ensaio político do Edukators – Seus Dias de Fartura Estão No Fim, onde três jovens acenam para uma platéia devorada por pipocas que as melhores ideias ainda sobrevivem e podem fazer a diferença. Daniel Bruhl, Julia Jentsch e Stipe Erceg têm aquele frescor, beleza e poesia que não se encontra nas academias de malhação. Novamente é a figura feminina que desencadeia os momentos mais radicais do filme.

Julia Jentsch protagoniza a sedutora Jule, namorada e amante, amigos que invadem mansões em Berlim, não para roubar, mas, para dar o ultimato na burguesia dominada pelo espetacular fascínio proporcionado pela economia do euro. É neste e outros aspectos que as duas fitas se encontram num exercício de construir e refletir estratégias políticas do passado e do presente. O triângulo alemão não possui as ilusões do trio francês.

Se o jovem americano se afasta dos amigos no decisivo momento do confronto nas barricadas parisienses, os amigos alemães se reconciliam e viajam para o Mediterrâneo para destruir as torres que controlam as transmissões televisivas na Europa. Edukators é uma crítica cinematográfica da chamada economia global. Os educadores buscam formas de combate onde a esperança de transformação possa ser operada para além do livro vermelho ou das velhas ortodoxias políticas.

Esse cinema de maciça força poética parece manter aquele desejo de despertar do mundo do sonho de si mesmo. E mantém vivas as ideias e práticas situacionistas de Guy Debord, a quem essas fitas poderiam ser dedicadas. Esses filmes mostram que se a cultura de massa é uma fonte de fantasmagoria do mundo social, ela é também uma fonte de energia coletiva capaz de superá-la.

17/7/2011 

Leonardo Carmo
Publicado em Via Política: Livre Informação e Cultura

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