sábado, 15 de outubro de 2011

Glauber Rocha contra o Leão de Hollywood




Ele profetizou a crise econômica mundial que ocupa as manchetes dos principais jornais. O Primeiro Mundo está descendo o degrau para o Quinto Mundo. 


Glauber Rocha, cineasta baiano (1939-1981), morreu num mês de agosto, vendo um Brasil mergulhado no zero filosófico, cultura, estético, político. 


Ele usou o cinema para matar Deus e o Diabo. E fez uma reforma agrária audiovisual em Der Leone Has Sept Cabezas, mostrando no cinema que a terra é do homem mesmo que este homem ainda não tenha historicamente nascido.


Sua obra fílmica é um dos exemplos fundamentais do que se entende por arte cinematográfica. Ciência artística + arte científica = Glauber Rocha.

Glauber é o Santo Guerreiro contra o Leão de Hollywood. Mas não pense que ele tinha uma visão estreita do processo cinematográfico e do cinema americano. Na década de 70 ele registrou em carta a nova onda que começava em Los Angeles.


Na época, o ícone era Easy Rider, de Dennis Hopper e Peter Fonda. Isso veio dar em Steve Buscemi, Eric Stoltz,Tim Roth, Jay Rosenblatt, Todd Solodz e Miranda July. Do underground de Andy Warhol ao overground Gummo, de Harmony Korine, Glauber compreendeu o som e a fúria do cinema americano.


É assim, pode-se pensar, que ele gostaria de ser lembrado. Como um cineasta que utilizou o cinema para conhecer e transformar a sociedade. A revolução é uma estética.


Qual o valor de seus filmes e da sua teoria cinematográfica? No livro Revolução do Cinema Novo (1981), publicado pela Embrafilme, ele observa que: "(...) os críticos mineiros discutiam a estética idealista de Croce, mas não citavam nem Walter Benjamin, nem Georg Lukácz: As intervenções do segundo em cinema são desastrosas". Essa frase de Glauber permite situar a importância de seus filmes e do seu pensamento intelectual para o Brasil, hoje.


As afinidades eletivas entre Walter Benjamin (1892-1940) e o cineasta é um campo a ser explorado. Disso vai resultar uma nova prática de filmes históricos. De narrar a história nos filmes e os filmes na história. Essas afinidades podem ser apontadas no descaminho como método, na dialética da alegoria, da tragédia do progresso como uma montanha de ruínas.


Glauber usou o cinema para decifrar mitos e dar cara à história. Nesse sentido, ele materializa na prática cinematográfica as teses de Walter Benjamin, que viu na tecnologia possibilidades de avanço educativo inclusive para as massas.


Teria ele lido o ensaio da reprodutibilidade técnica? Mesma que não, Glauber encarna a tese contida nesse ensaio da tendência evolutiva da arte na época de suas técnicas de reprodução. Tanto um quanto o outro desmistificaram o conceito do artista e do intelectual pairando acima das nuvens.


O diálogo enter GR e WB se mostra também no apreço do cineasta pelo método – distanciamento – do teatro brechtiano. Lembrando que Brecht e Benjamin foram amigos e juntos, elaboraram o conceito de "pensamento pesado", técnica para despertar o homem comum do terror e do sonho.
Nesse sentido, A$suntina das Amérikas, de Luiz Rosemberg Filho, está próximo tanto do pensamento pesado quanto da estética da fome.


Aliás, a crítica tem que rever A Idade da Terra, porque esse é o filme que representa o Brasil do século XXI, e não a anemia dos filmes brasileiro atual, que são televisivos e não cinematográficos. O cinema de Glauber é uma chuva seca, uma luta permanente contra o não-saber. Por isso, Glauber chamava o público e os críticos de teleguiados pelo Leão de Hollywood. Contra o colorido de um cinema colonizante, a luz solar no seco da caatinga.


As personagens Aldo (Francisco Milani) e Marinho (Echio Reis) deTerra em Transe são exemplos de intelectuais colonizados que combateram Glauber, que continua incomodando a mediocridade de supostos cineastas e suas conquistas no mercado.


Ele profetizou em Claro a crise econômica mundial que ocupa as manchetes dos principais jornais. O Primeiro Mundo está descendo o degrau para o Quinto Mundo. O Leão das Revoluções Árabes.
O cinema de Glauber antecipou o transe europeu. Em Cabezas Cortadas ele degola a Cabeça da Santa Inquisição e os ditadores latino-americanos. A fome vai cortar a cabeça do FMI, das bolsas de Tóquio e Berlim e dos lugares chiques de Amsterdã e Paris. Aliás, já está cortando. O capitalismo está entrando numa quarta-feira de cinzas.


O cinema de Glauber é uma estética da superação da alienação do brasileiro em relação ao próprio país. Sua filmografia exibe um Brasil visto pelos olhos de José Lins do Rego, João Guimarães Rosa, de Euclides da Cunha, de Paulo Prado e de Darcy Ribeiro. O cinema dele apresenta a questão: como viver a vida verdadeira num mundo falso? É por isso que podemos pensar nele como Corisco, carregando um papa-amarelo que era uma câmara 35 milímetros.


Já nos anos 70, Glauber Rocha era pós-URSS. Ele viu o Muro cair antes de O Anjo sobre Berlim. Glauber antecipa o Adeus, Lenin. Glauber queria filmar DAS KAPITAL. Num ousado lance da dialética dos extremos, Glauber denunciou o ABC engolido pelo fisiologismo liberal da pseudo Alvorada de Brasília.


A pré-história das nações civilizadas confirma suas teses, profecias, intuições, alucinações. O cinema de Glauber é um novoconstructo mental. É preciso que o homem se reinvente para curtir esse cinema.
Rachel Gerber em O Mito da Civilização Atlântica nos lembra que em Glauber "o cinema é uma antropologia moderna, e também psicanálise da história e da cultura, podendo ter visão totalizante do homem no espaço e no tempo".


Nele o cinema é uma escrita política que explode o continuum histórico. O recado de Glauber para o Brasil e para o mundo é: "enquanto reinar a tirania não existirá a felicidade".

13/8/2011 
Leonardo Carmo

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