Mestre apaixonado por Cinema e
Filosofia, Leonardo Carmo, poeta, compositor, jornalista e Coordenador dos Cadernos
de Cinema e Educação, entrevista o cineasta Luiz Rosemberg Filho,
Rô para os mais íntimos.
Para Regina Viana, amor cinematográfico.
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Luiz Rosemberg Filho - Colagem
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O homem de hoje não cultiva o que não possa
ser abreviado.
Paul Valéry
Leonardo Carmo – Crônica
de um Industrial, escolhido para representar o Brasil no Festival de
Cannes, em 1978, foi censurado pela Ditadura do Golpe Militar no mesmo ano.
Gostaria de perguntar ao senhor: que influências teve na produção deste filme?
Que cineastas ou teóricos o influenciaram na construção desta crônica
cinematográfica?
Luiz
Rosemberg Filho – O nosso Crônica foi uma espécie de historização
do nosso vergonhoso e trágico retrocesso político, que acabou virando um
novelão no SBT. Mas não poderia virar outra coisa. Vivíamos entre a idolatria
da pátria e a ignorância retumbante, imposta de cima para baixo. Só que ao
invés do espetáculo com a política, como em muitos “ filmes” da época, era o
enterro do caos interno e do despedaçamento do que nos restava ainda de
humano, que nos interessava, como análise das nossas contradições. Vinte e tantos anos de retrocesso e estamos
ainda num processo demagógico sem gozo, invenção ou transgressão. Penso que o
filme continua atualíssimo, poético, ousado e necessário. E como ainda estamos
dominados por uma política-espetáculo é o que é como referência do saber.
Convenientíssimo aos homens de negócios,
bancos, religiões, meio de comunicação e
partidos políticos. Não ao saber e a poesia. E, muitos foram as contribuições
visíveis de “ Macbeth” ao “ Bravo Guerreiro”. De Johann Sebastian Bach a Brecht.
De Fernando Pessoa ao “ O Leopardo” de Luchino Visconti. Mas de modo algum é um
trabalho ilustrativo do Outro, mas de reflexão sobretudo tudo e todos. O filme
é uma espécie de sonho-trágico da nossa história. Uma cantata de Bach.
LC –
Li o parecer da Censura Federal recomendando o veto ao Crônica. Temia-se que liberado, o filme derrubaria a Ditadura no
País (sic). Qual foi a reação do público e da crítica quando o filme pode ser
exibido?
LRF
– O Brasil sempre foi um país muito estranho. Crônica não foi pensado para
ser simples, difícil ou mesmo um Manifesto Político. Foi, para todos nós um
delicado e difícil aprendizado de novos caminhos, no caos político reinante.
Compreendi que se nós persistíssemos em
avançar – o que fizemos – limparíamos em parte, a desleixada sujeirada política
dos tempos em nós e no público, gostasse ele ou não. Já com relação à Censura, tenho todos os
pareceres que são absolutamente cômicos e ridículos. Imagina se um filme como o
Crônica mobilizaria estudantes e
operários para uma revolução? E nem foi feito para isso. Mas, claro que os anos
de silêncio e proibição, despotencializaram a importância reflexiva do filme e
que só hoje está sendo pensado. Brasil, né? Claro também que nosso público foi
e segue sendo permanentemente brutalizado, humilhado e enganado por espetáculos
vazios. Leitões, Padilhas, Meirelles e outras aberrações do nosso fascismo
tropical. Lixo! Passem hoje o “ Crônica” ou “ Deus e o Diabo” ou ainda “ Terra
em Transe” e veja se o público entenderá como uma novelinha, ou pegará em armas. Quanto ao
público de esquerda, só uma pergunta: que esquerda?
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Luiz Rosemberg Filho - Colagem |
LC –
Naquele momento qual era o pensamento político do senhor? Vou insistir: a maneira como as personagens foram
construídas, a trilha sonora, a montagem, tudo isso foi pensado para destruir o
sistema capitalista?
LRF
– O sistema capitalista sempre foi mais forte que qualquer filme. Pô, não
acabaram com a Revolução de 1917? O que é a Rússia de hoje senão um prostíbulo
de lindas mulheres, trabalhando para a Máfia Russa? Bem, a “nossa” revolução
era vendida como vitoriosa, sucesso, estardalhaço e que seria para sempre. Deu
no que deu: Sarney, Collor, FHC... Fizemos com o “ Crônica” um filme sofrido
sobre o silêncio, a imobilidade, o medo, a perda e por fim a morte de tanto da
política como do amor. Creia, toda desintegração de algo fundamental
verdadeiramente honesto nos matou um
pouco a todos. Uns morreram, outros
envelheceram e muitos estão doentes. Queríamos outro Brasil, e o que tínhamos
era só miséria, sangue e espetáculo. Mas, convinha à Ditadura, né?
LC –
A trilogia Crônica, A$suntina das Amérikas (1976) e O
Santo e a Vedete, (1982), dão me impressão de ser uma escrita fílmica da
história do cinema. No entanto, o pensamento parece estar banido do cinema. O
que o senhor pensa disto?
LRF
– São filmes diferentes, mas que de certa forma tentam questionar o pensamento
brasileiro da época. Gosto muito dos três e me sinto orgulhoso pelos resultados
e pelas pessoas que trabalharam. Muitos,
velhos amigos importantes que se já foram. Hoje não se questiona mais nada,
pois o cinema é só dinheiro, traição, diluição, desvio do dinheiro público,
burocracias, poder e um erotismo televisivo burro para as revistinhas de
sacanagem. A mídia comprometida com a esculhambação do
cinema e do país, também não tem o menor interesse que nada seja alterado; para
usar e faturar com “ Bruna Surfistinha”, a “ Fazenda” do SBT, do BBB da Globo e outras babaquices deixadas pela “
revolução” do capital. Mas... não seria uma maneira da tal da “ revolução”
continuar de maneira indireta?
LC –
Críticos respeitáveis como Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet, Fernão Ramos e
Jairo Ferreira admiram seus filmes. Mas, não há estudos mais amplos sobre o
cinema de Luiz Rosemberg Filho. A que o senhor atribui isso?
LRF
– Me creia, nunca gostei de aparecer e aprendi isso com o meu saudoso pai, que
era do velho Partidão. Também nunca usei o cinema para estar nos Festivais,
festinhas, panelinhas ou zonas. Me permito não ser “ celebridade” e deixo isso
para o baba ovo do Amaury Jr. Que tem mais estilo mundano com suas vedetinhas
de almanaque. Tento passar e me deslocar no silêncio e na dor da existência, de
se viver num país como o nosso: belo por fora e podre por dentro. Também não
sou, nem nunca fui depressivo, bodado... mas desencantado com o lixo político
que tivemos e que temos de suportar. Isso sem falarmos nos homens da mídia.
Como falta delicadeza e entendimento ao mundo da comunicação, é o silêncio que
predomina sobre nossas vidas. Ora, quem se lembra de Fernando Coni Campos,
Armando Costa, Isabel Ribeiro ou Miguel Torres? O esquecimento faz parte do
jogo do poder, para que predomine a mediocridade das santificadas
“celebridades” do senhor Amaury Jr. Haja saco!
LC –
Seu cinema tem a história como personagem central. Nos seus filmes a realidade parece ser feita
da mesma substancia dos sonhos. Quais as fontes teóricas, filosóficas, poéticas
do seu cinema?
LRF
– Eu uso e abuso de Albert Camus, de Oswald de Andrade, de Zé Celso, de Tchekhov, de Godard, de Brecht, de Bergman,
de Wagner, do teatro do Strindberg e do Ibsen. De Rimbaud, do Fernando pessoa e
da psicanálise que fiz por muito e muitos anos. Gostaria de ter tido uma melhor
formação para usar Benjamin, Marx ou mesmo Melville do genial “ Bartleby”. A
invenção para mim, passa por um casamento feliz feito com vários segmentos do
saber, até hiperdimensionando a imaginação como foi o caso de trabalhos como “
Imagens”, “Guerras”, os vídeos experimentais, "$em Título", “O Discurso
das Imagen$”, "Desertos” e mesmo “ As Últimas Imagens de Tebas”. Digamos que
são registros da nossa barbárie sem o menor viés do espetáculo. “Dinheiro”
então, é um a manifesto contra tudo e contra todos. Mas são trabalhos amorosos
e delicados. A revolução com o cinema, se faz nele mesmo. Claro que, pensando a
realidade sem cair no panfleto sem poesia.
LC - “ Crônica de um Industrial” remete ao “Zabriskie Point” de Antonioni, ao “Teorema”, de Pasolini: eles recusam o
capitalismo cada um ao seu modo. “ Crônica” abre com uma manchete de jornal em
letras de sangue onde lemos uma frase de Godard: “ sempre o sangue, o poder, o
dinheiro”. Mas talvez mais que Godard, o filme tem uma estrutura narrativa
próxima das teorias de Eisenstein. Faz sentido para o senhor o que eu digo?
LRF
– Faz mais do sentido pois é perfeita a tua colocação. O Eisenstein de o “Ivan, o Terrível”, foi um referência fundamental para o “Crônica”, assim com o imobilismo
crítico do cinema do Antonioni, do Pasolini e do Luchino Visconti de “O
Leopardo” que vejo sempre. Acho hoje que essas referencias registradas
inconscientemente na elaboração do “Crônica”, deram ao filme um relaxamento
poético das imagens poderosas de Antonio Luis e da montagem dialética de
Ricardo Miranda. Não é um filme
coca-cola, como muitos que se faz hoje aqui. Também não queríamos um filme
de identificação imediata mas de “ópios,
edens”, como a poesia de Paulo Leminsky e Itamar Assumpção. É preciso também
não esquecer meu encantamento declarado por filmes como “ Terra em Transe”,
“Blablablá”, e o “ Bravo Guerreiro” do Gustavo
Dahl. Por isso mesmo ficou mais um filme de sonhos, dúvidas e ao de certezas.
Deixamos vagar a imaginação, que só vi potencializado depois no “ Gregório de
Mattos” e no “ Serras da Desordem”.
LC –
É recorrente em suas análises dizer que estamos – o Brasil – vivendo o “Quarto
Ato do Rei da vela”, texto teatral do escritor brasileiro Oswald de Andrade
(1890-1954) encenado pelo Grupo Oficina em 1967. Dá sua perspectiva qual a
relação do Brasil 2011, com esse quarto ato do texto oswaldiano?
LRF
– Bem, basta que se veja o que se viveu e ainda se vive em Brasília, para
entendermos, ainda melhor hoje, o que eu chamo de o quarto ato do “Rei da
Vela”, do Oswald. Me permito achar o nosso escritor mais próximo da
modernidade, pois foi sempre um
revolucionário pela raiz. E para compreendermos a sua desmoralização das nossas elites,basta que se veja um político –
seja lá de que Partido for – falando na TV. São religiosos, bufões, cômicos e
sem uma só verdade em suas muitas imagens. Parecem muito aqueles Pastores
histéricos a vender suas Biblias e quinquilharias na TV. E como esse
instrumento eletrônico é uma espécie de dona-de-casa da política, o novelão ta
montado. O “Astro” é observado como sujeito sem história real alguma. Dança
conforme a música e só lhe interessa brilhar, enganar e o poder. E faturam bastante
para mentir que são políticos sérios, pastores ou “artistas””. Haja saco, né?
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Luiz Rosemberg Filho - Colagem |
LC –
Soube que o senhor tenta viabilizar a produção de um filme em Paris onde
acontece um encontro imaginário entre o Oswald de Andrade e o filósofo alemão
Walter Benjamin. O senhor poderia adiantar algo do roteiro, da produção, dos
atores? Qual a ponte entre a antropofagia de Oswald de Andrade e a Iluminação
Profana, de Walter Benjamin?
LRF
– Quando eu morava fora, disse uma vez para o Glauber que seria interessante
criar um encontro imaginário entre Oswald e Benjamin. Na verdade, o que eu quis
algum tempo depois foi filmar “O Diário de Moscou”, do Benjamin, analisando
sua passagem pela Revolução de 1917. É um livro belíssimo, triste e já apontava
que a Revolução seria transformada num
combustão ou bostão de burocarcias. Pena pois foi uma revolução criativa de
verdade. Lenin, Trotski... e o Comitê Central queria uma revolução dentro das
pessoas e não só fora. Não deu. Virou isso que tá aí, entre a Zona e a Máfia
russa. E quem mais fatura com isso? A história é que não é. O cinema menos
ainda. Pena.
LC
- Existe um curta-metragem de 14
minutos, intitulado “RÔ”, dirigido e produzido em Paris por Sylvie Pierre e
Georges Ulmann, em 1985. Como se deu esse encontro como esses realizadores
vieram a saber do seu cinema, qual o interesse deles? De que se trata esse
filme?
LRF
– A Sylvie Pierre que conheci fora do país, morou no Brasil e tinha duas
paixões fora o marido Georges: o David Neves e o cinema brasileiro. Nos dávamos
relativamente bem, lá fora. Quando eu voltei, li um artigo dela que não era
verdadeiramente terno, nem analítico em relação a minha pessoa e me afastei.
Como ela tem espaço lá fora, é cortejada por uma multiplicidade de traidores e
sabujos, daqui. Como não sou sabujo, nem cortejo ninguém por respaço, prefiri
ficar na minha. Mas, se não estou enganado, o filme RÔ, é um documento afetivo em relação a minha estadia em Paris. Eu estava me
recuperando de um acidente com um janela que caiu e quase cortou
definitivamente o meu deda da mão esquerda. Mas, é mais que um registro amoroso
que propriamente um documentário. Acho que nunca passou em canto algum e eu
nunca mais o vi.
LC –
O que poderia me dizer dos fimes “ Jardim das Espumas”, de 1970; “ Paraíso no
Inferno”, 1977; “ América do Sexo”, de 1969 e “ Imagens”, de 1972? Isto para
citarmos alguns de seus filmes. Do “ Imagens” só temos a sinopse: “ Sem
diálogos, sem som, atores desconhecidos”. A proposta é esta mesmo?
LRF
- O “Jardim das Espumas” era um
confronto radical-teatral, com o regime enlouquecido da época. Era um filme de
ficção científica que mostrava o seqüestro de um embaixador. O fizemos em dez
dias ou talvez menos e , foi ótimo tê-lo vivido como foi feito sem o menor viés
de espetáculo. O “ Paraíso no Inferno” eu só colaborei no
roteiro, pois era um longa do queridíssimo ator Joel Barcelos que conheci na
juventude no CPC. Já o “Imagens” era um filme experimentalíssimo sobre o mundo
silencioso que éramos obrigamos a suportar aqui. Era o mundo, sem som algum e
sem letreiro. O único que aparecia era o do Glauber a quem o filme é dedicado
pois ele estava proibido de voltar ao país. Mas nem mesmo ele viu pois quando
eu cheguei em Paris ele foi para Roma. Quanto aos atores eram pessoas muito
queridas. Amei tê-lo feito apesar do fotógrafo que era uma bosta humana! Mas
como tinha uma Bolex, o usamos.
Talvez seja no cinema brasileiro a única pessoa que me passa nojo. É podre por
dentro e por fora. Felizmente nunca o respeitei nem como crítico. É lixo!
LC –
O curta-metragem “ O Espectador Que o Cinema Esqueceu”, 1991, me parece uma
laegoria de um certo tipo de espectador. Como o senhor vê a dialética
cinema-espectador nos dias de hoje?
LRF
– Me permito achar que o senhor Waldemar, personagem principal do filme do
talento Joel Yamaji, foi devidamente esquecido e superado por um público
idiotizado, violento, emburrecido, empobrecido, doente e sem o menor equilíbrio
emocional. Formado pela ditadura e continuado depois pelos que vieram. Engolem
seja lá o que for e se sentem felizes por serem enganados com a
violência-espetáculo ou com as quinquilharias da TV. Lamentavelmente o
espectador de hoje é só uma constelação de aberrações vindas da TV. É Atal da “Cilada.com” ou de “ Pernas Para o Ar”. E tomem de picaretagem! De modo algum
posso respeitar esse tipo de “ cinema”. Pena.
LC –
Nessa linha de raciocínio gostaria que o senhor rememorasse um filme que sei
lhe é muito caro. “ Gordos e Magros”, de 1976, do fotógrafo Mário Carneiro, de
valiosa contribuição para o Cinema Novo. Algum fotógrafo brasileiro chama sua
atenção no cinema brasileiro atual?
LRF
– “Gordos e Magros” foi um encontro amoroso dos velhos amigos do Mário
Carneiro. Todos os figurantes (pois era o que éramos) trabalharam por prazer.
Sempre fui muito agradecido a ele, por ter fotografado meu primeiro longa com a Adriana Prieto, Echio
Reis e Sindoval Aguiar. E se não ficou bom, a culpa foi só minha. Me creia, “
Gordos e Magros” é uma comédia requintadíssima
e que usei como referencia simbólica em “O Santo e a Vedete”. Mas... ainda
hoje continuo gostando da velha guarda que me acompanhou pela vida: o Renaud
Leenhardt, o Pedrinho de Moraes, o Antonio Luis, o Dib Lufti e o Waltinho
Carvalho que fez o genial “Lavoura Arcaica”, o seu trabalho mais denso e
poético. Tem o Toca Seabra que eu gosto muito. Paro por aí.
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Luiz Rosemberg Filho - Colagem |