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Bárbara Sukowa (de azul, a esq.), como Hannah Arendt no filme de Margarethe von Trotta
Hannah Arendt, (1905-1975), filósofa política nascida em Hannover (Alemanha), de origens judaicas, é a protagonista do novo filme de Margarethe von Trotta, com Barbara Sukowa interpretando uma das mais influentes pensadoras do século 20.
O filme, intitulado simplesmente Hannah Arendt, é menos uma introdução à sua teoria política e mais uma obra orientada para o público pouco familiarizado com suas ideias. A ação se concentra na cobertura jornalística do julgamento de Adolf Eichmann – carrasco de judeus – em Jerusalém, 1961, feita para a The New Yorker. Este relato resultou no livro Eichmann em Jerusalém – Um Relato Sobre a Banalidade do Mal, publicado pela Companhia das Letras.
No processo de Eichmann, Hannah Arendt argumenta que o arquiteto da solução final não era um demônio nem um poço de maldade – o que a indispõe com os ativistas judeus, o ambiente acadêmico norte-americano e amigos –, mas alguém terrível e horrivelmente normal. Ele não era um monstro sanguinário, mas um funcionário medíocre, incapaz de refletir sobre seus atos ou de fugir aos clichês burocráticos. A banalidade do mal é a ameaça maior às sociedades democráticas e esse conceito pode ser utilizado para investigar questões sempre atuais, como a capacidade do Estado de transformar o exercício da violência homicida em mero cumprimento de metas e organogramas.
A facilidade da opinião pública em condenar o carrasco não é compartilhada pela pensadora, que mergulha nas sombras da barbárie para entender o oficial da SS e o fenômeno histórico nazismo. O mal não é radical, diz ela em certo momento do filme, só o bem é radical. O mal é a expressão de um pensamento horizontal como os trens na condução de judeus para Treblinka ou Sobibor.
A força do filme está na problemática de pensar a barbárie e a banalidade do mal no presente. O tom escuro da fotografia em muitas sequências lembra o terror de uma época que destruiu toda a esperança de estabilidade das fundações da civilização humana. Como é possível àqueles que sobreviveram ou escaparam se esquecerem daqueles tempos sombrios?
Este parece ser o dilema estético de Margarethe Von Trotta: não tornar Hannah Arendt uma celebridade e recusar um olhar piedoso sobre a “Shoah” ou “Catástrofe”. Como transformar em imagem o inimaginável? Eichmann é o mais comum dos homens e não é, como se pode pensar, uma espécie em extinção. O que torna a sua figura lamentavelmente atual.
Margarethe Von Trotta construiu um filme de ideias, ao colocar a questão: qual é o sentido da política? Essa pergunta resiste não só ao nazi-fascismo como exige da humanidade uma explicação racional – não demonizada dos agentes da SS, de Eichmann, de Himmler ou de Hitler – para a “Catástrofe”, essa fissura histórica europeia.
O filme atualiza questões como a torpeza na ação de partidos e políticos em relação à política. A Primavera Árabe, as manifestações na Turquia, a repulsa da corrupção nas ruas brasileiras em junho podem ser discutidos nesse contexto. A banalidade do mal comum aos líderes e burocratas que se acreditam salvacionistas mostra que os regimes totalitários têm matrizes populares. Hitler não era filho da burguesia, mas os empresários alemães – Claude Lanzzmann prova isso no documentário Shoah – receberam do Führer mão de obra escrava na instalação de suas fábrica nos arredores dos campos de concentração.
Margarethe Von Trotta aproxima o público de Hannah Arendt. Mesmo que o espectador sinta-se perdido com a ausência de referências de personalidades no filme como seu marido, o crítico marxista Heinrich Blutcher, isso não diminui o interesse para com o seu trabalho filosófico, abordando temas como a política, a autoridade, a educação, a condição laboral, a violência e a condição da mulher. Nestes tempos de vitalidade de grupos como o Anonymus e o Femen, instaurando novas contradições de prática política, Hannah Arendt é bem-vinda nas redes sociais. E ela, a quem uma vez foi perguntado sobre o sentido da política, respondeu: o sentido da política é a liberdade.


Leonardo Carmo é mestre em Educação Brasileira pela UFG e autor de O Cinema da Metafísica Bárbara e O Cinema do Feitiço Contra o Feiticeiro, PUC-UCG 2012