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Wolverine: o herói seria um símbolo do capitalismo?
Wolverine: O Imortal (EUA, 2013), dirigido por John Mangold, com Hugh Jackman, é pura emoção barata, quinquilharia kitsch e aparentemente anti-intelectual. Uma droga, literalmente.
As drogas provocam efeitos psicofísicos. Estes nada mais são que efeitos estéticos. Do mesmo modo, produtos culturais afetam nossa percepção. Wolverine é um desses produtos da indústria cultural que alimenta a drogadição
Nesse mau gosto reside o valor documental do filme, uma metáfora da imortalidade do capitalismo. Há uma estreita correlação entre a indestrutibilidade de Wolverine e a pretensa perenidade do capitalismo.
Nos termos de uma formulação da crítica da cultura de Walter Benjamin, há história nos detritos, no lixo, no material desprezível e invisível produzido na sociedade. A história se encontra quer nas grandes como nas piores obras, as mais detestáveis, menosprezadas pela intelligentsia e o bom gosto.
O filme baseia-se na luta de Wolverine para proteger Mariko Yashida, a herdeira de uma megacorporação, contra a Yakuza, a máfia japonesa. O recado é claro: quem está ao lado de Wolverine, sobrevive. Quem não está, morre sob a ação da bomba atômica, pelas suas garras afiadas ou pelos golpes das espadas samurais que ele aprende a empunhar.
Wolverine: O Imortal tem decepcionado os mais ardorosos admiradores desse Marvel. Mas o filme pode mostrar-se valioso para o historiador do cinema, interessado em ver além das aparências e revelar a nudez das contradições do aparentemente banal e insosso.
Wolverine tem como tema a luta de dois gigantes econômicos: os Estados Unidos e o Japão. A santa ingenuidade dos cosplays pode ser atribuída a uma mínima formação cultural, mas achar que a cultura de massa não tem os seus requintes é um equívoco.
As costumeiras críticas e falhas enumeradas no caso deste filme não atraem nenhum ganho. É inegável o desapreço para com o Hagakure – O Livro do Samurai, clássico de Yamamoto Tsunetomo, este, sim, um samurai autêntico. E menos ainda tem a ver com o Rashomon de Ryûnosuke Akutagawa e os seus contos nonsense. O filme vulgariza a influência da cultura samurai que durou 700 anos e ainda imprime marcas na cultura japonesa. Essa vulgarização aponta para a face oculta da história e a imposição ideológico-cultural dos Estados Unidos sobre o Japão.
Por exemplo: Yushida, o soldado salvo por Wolverine do ataque a Nagasaki, que recusa minutos antes da explosão atômica a cometer o harakiri, é um covarde. A sobrevivência dele se deve ao acaso e à sorte de estar ao lado do mutante, por sua vez imune aos efeitos da radioatividade .
Yushida, sobrevivendo em condições catastróficas, é picado pela mosca da vida eterna. É o samurai que não quer morrer! Ele envergonha toda a tradição. Um verdadeiro samurai não hesita em morrer e para ele a maior desonra é não morrer em combate. Um samurai não aspira à imortalidade, mas um capitalista, sim.
Yushida é o Japão moderno, o megaimpério econômico pós-Nagasaki. No filme, velho e doente, Yushida recorre a seu salvador e confia a Wolverine a tarefa de proteger Mariko, a herdeira do império, o que a tornará a mulher mais poderosa do Japão.
Wolverine representa a potência militar e econômica, herdeira da Grande Guerra e da loucura nazista. Wolverine é o retrato da indestrutibilidade do Tio Sam. Mas ele é também Logan,o ermitão que vive na floresta, cuja única companhia é o urso Grizzly, o qual ele é obrigado a matar, abreviando o sofrimento do animal, causado por caçadores inescrupulosos que atiram nele flechas envenenadas.
Wolverine conta com a cumplicidade sensual e mortífera das guerreiras Rila Fukushima (Yukio) e Tao Okamoto (Mariko). A derrocada de Yushida é a derrota do desejo da imortalidade do Japão. O triunfo de Wolverine é uma vitória econômica e afirma a supremacia norte-americana na promessa de Mariko em realizar um “projeto econômico que vise o bem-estar do homem”.
Wolverine: O Imortal é o guarda-costas do capitalismo. Pela segunda vez, os Estados Unidos colocam de joelhos o império do sol nascente. Muitas aventuras de Wolverine ainda virão. Uma delas, talvez, seja o confronto com esse peso-pesado inimigo dos Estados Unidos: Edward Snowden, até onde se sabe, asilado em algum lugar da Rússia, quem sabe, sob a guarda de um urso pardo siberiano.

Leonardo Carmo é mestre em Educação Brasileira pela UFG e autor de O Cinema da Metafísica Bárbarae O Cinema do Feitiço contra o Feiticeiro, publicados pela PUC-GO em 2012