terça-feira, 31 de dezembro de 2013

LENHA NA FOGUEIRA
O Dinossauro e o Lago das Rosas
Jornal Pagina Aberta Tocantins/Goiás, 05 a 15 de Dezembro de 2013

Leonardo Carmo*



        Em 2005, Goiânia viveu curioso caso calote no setor dos agronegócios. Empresários investindo nas avestruzes como novas galinhas de ouro, tiveram graves prejuízos em suas finanças.
         Em 2012, o Zoológico de Goiânia registrou a morte de seis bichos. Sabe-se que o local já perdeu quase metade do plantel desde 2005, quando abrigava 780 espécimes. Hoje conta apenas com 491 animais. Somente em 2011, outros 63 morreram. Em 2010, foram 68, e, em 2009, 109. Entre eles dois hipopótamos, um leão, uma onça, um tamanduá-bandeira, uma girafa, um jacaré-açu e uma avestruz. A asa negra da mosca pousou  sua gosma nos animais do zoo e no sonho dos investidores.
            Alegoricamente esses fatos permitem articular  a Teoria da Educação com o filme Jurassic Park, de Steven Spielberg, cujos ovos de dinossauros renderam milhões aos produtores. Imaginem um T.Rex  no Lago das Rosas! As cercas do zoológico que não impediram a morte dos animais tampouco controlariam a fuga de um Velociraptor. Goiânia nessa ficção seria rapidamente destroçada pelas mandíbulas e garras jurássicas. A situação seria a mesma  de  San Diego em O Mundo Perdido, Jurassic Park, segundo episódio da trilogia.
O Horto Florestal e o Jurassic Park,  são literalmente zonas de diversão e morte. Qualquer  descuido pode ser fatal para os homens ou para os animais. No cinema o parque torna-se o espaço do horror e da destruição, do imprevisível. Em muitos filmes, o parque – espaço do conhecimento e do lazer – torna-se sinistro e ameaçador. Um exemplo clássico é o filme  O Gabinete do Doutor Caligari, Robert Wiene, 1920.
O crítico Siegfried Kracauer explica na obra  De Caligari a Hitler – uma história psicológica do cinema alemão - que o parque não é liberdade, mas anarquia gerando caos. Em termos alegóricos, o sistema educacional lembra um parque entrelaçado com os muros das prisões, dos hospitais, das igrejas, dos quartéis: uma falsa promessa de felicidade e libertação.  A educação transforma-se em saber que aprisiona.
        Em A Outra Face, de John Woo,1997, o  parque  é o espaço da desordem dos sentidos. O mesmo acontece em  O Fantasma da Liberdade, Luis Buñuel, 1974. No final deste filme,  uma chacina no zoo de Paris, aterroriza o espectador com sons de tiros, insinuando uma matança de animais e visitantes ao mesmo tempo    
     A alegoria  dos dinossauros e avestruzes, articulada com a teoria da educação, talvez possa  ser formulada assim: a escola é esse parque no qual  funcionários e professores têm dificuldades de exercer  uma influência pedagógica no - sentido forte do termo - , sobre os alunos. A teoria da educação – a cerca inteligente – que deveria proteger quem está atrás e além delas encontra-se arrebentada. Essa cerca, se aceita a metáfora, deveriam ser a do saber, da libertação. O fato é os estudantes  são agrupados em celas chamadas salas de aulas lotadas e muitos professores já perceberam ser mais carcereiros e menos educadores.
      A experiência de uma educação libertária na qual uma criança deve viver sua própria vida – não uma vida que seus pais acreditem que ela deva viver, não uma vida decidida por um educador que supõe saber o que é melhor para a criança ,parece ter fracassado.  O que interessa é a ordem e esse tipo de ordem tem gerado o caos.
        Caos é  um conceito fundamental no filme de Spielberg.  Os supercomputadores - metanarrativas educacionais – fracassam  no lago burocrático. A situação fora  de controle no Jurassic Park ou no Lago das Rosas é menos perigosa que a de nossas instituições de ensino .  Do lado de fora, além das cercas e acerca do conhecimento, o T. REX é a teoria educacional inibindo talento e minando o todo o processo de uma educação formal efetiva. O filósofo Immanuel Kant, comentou existirem duas invenções humanas que podem ser consideradas mais difíceis que qualquer outra: a arte do governo e a arte da educação; e as pessoas continuam a discutir inclusive seus significados.
            As profissões de paleontólogo ou professor exigem a um só tempo o saber especializado e o generalista. Um paleontólogo pode dar aulas – como Allan Grant no filme e o professor não raro enfrenta a burocracia jurássica. Ambos parecem ser  espécimes condenadas à extinção. Em uma cena do Jurassic Park  um técnico em informática ironiza que os computadores em breve substituiriam os paleontólogos.Na outra ponta, professores recém-admitidos em concurso público abandonam as escolas, anseiam superar cercas da burocracia ineficiente como os animais pré-históricos  escapam do Parque Jurássico.
          A educação parece trabalhar contra a inteligência. Os dinossauros digitalizados  do cinema testemunham a monstruosidade do sistema prisional brasileiro e remete à ineficácia do sistema educacional do País evidenciando que o homem é o mais indomável dos animais. Como reeducar o que nunca foi educado, como haver reeducação se não há Educação? Essa observação se correta, talvez nos permita dizer: no filme de Steven Spielberg, os dinossauros não atacam os seres humanos. Eles, assustados, se defendem dos neotrogloditas.



Leonardo Carmo - auto-retrato