O primeiro, Daquele instante em diante, de Rogério Velloso, trata de Itamar Assumpção, cantor, compositor abusivamente livre e libertário, intragável pela e para a miopia da indústria fonográfica que engessa a programação colonizada das emissoras de rádio do país.
Em seguida veio Ex – Isto, direção de
Agora, é a vez de Assim É, Se Lhe Parece, direção de Carla Gallo, belo documentário que rodopia em torno desse “cacareco ambulante”– se essas palavra o definem – que é o artista Nelson Leirner.
Outros filmes anunciados nesse projeto e ainda não lançados, referem-se ao diretor do Teatro Oficina, José Celso Martinez Correa – por sinal diretor entre outros de 25, co-dirigido por Celso Luccas – sobre a Revolução em Moçambique, e a Rogério Sganzerla, diretor de filmes experimentais, e cuja fita mais conhecida e discutida é o célebre O Bandido da Luz Vermelha.Os seguidores da série Iconoclássicos esperam ansiosos por essas películas que também fogem do esquema da conspiração mercadológica em voga no cinema brasileiro atual.
Estes filmes seccionam o olho do espectador viciado no ópio de imagens e sequências que narram histórias. Desencanto, desagrado, desafio, é o que há nestes filmes. Não são espetáculos artísticos, alta costura estética, as obras e os seus autores. Talvez não passem de pura burla, e aí está o segredo. Mas, todos tratam de gente de carne e osso que produziram canções, escritas, instalações, invenções num tempo guerra, e a pior destas batalhas chama-se consumo, consumismo.
Nelson Leirner
Aos críticos especializados no cinema e nas artes plásticas eu diria que Carla Gallo coloca sutilmente questões que vêm sendo debatidas desde o ensaio da reprodução da obra de arte, do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940).
À moda acadêmica e para ancorar o meu argumento e passar por menos ignorante, há no filme uma bela sequência onde Nelson Leirner mostra um livro de Paul Klee afirmando que para ele tudo começou ali, numa percepção que a arte pode ser também o caminho do não-saber. Sem confundir isso, claro, com o ódio ao saber seja pelas elites dominantes, seja pelos recém-chegados ao poder.
Ou seja, o filme coloca direto: onde encontrar a diferença entre uma obra de arte e uma mercadoria? Sem fazer disso uma tese, Carla Gallo deixa a câmera fluir nas pequenas observações de Nelson Leirner, que coloca de modo arguto e afetivo, racional e provocador, que a Monalisa e um sapo do Saara, esse camelódromo do Rio de Janeiro, andam no mesmo pé.
O pinguim de geladeira e um original de Van Gogh, reduzido agora a um poster, ambos foram assimilados pelo consumismo e mais do que nunca pede-se aos apreciadores de obras de arte que saibam olhar e devorar o que está disponível no grande mercado das artes.
Ou é uma enorme lona de feira ou uma esfiha de carne, para André Abujamra. Nada mais antigo que a novidades e nada mais desafiador que o senso comum. A mim pareceu que este documentário passeia pelo Onirokitsch, termo criado por Walter Benjamin para falar deste “caminho direto à banalidade”. Eu diria, com respeito, que Nelson Leirner toma a arte, este belo príncipe, e o transforma
Ao Louvre, Nelson Leirner responde com um passeio pelo Saara. Aos leilões da Sotheby’s, Leirner responde com uma caminhada pela Rua 25 de Março. Mas, o que há de mais encantador neste filme de Carla Gallo é o humor. Nesse sentido é um antídoto contra a suposta inteligência do humor televisivo.
O filme tem um frescor, uma ironia do não-confronto, próprios, talvez, do Nelson Leirner. Um filme anti-filme. Um artista do sagrado, mas não da sacralização. Obras cavadas no banal, mas que não celebram a banalização ao contrário de muitos “colecionadores”, como é pontuado no filme.
Carla Gallo não pretendeu ser didática, esclarecer, explicar para o espectador o sentido e o significado da obra de Nelson Leirner. Não estamos diante nem de um maldito nem de um gênio acessível aos iniciados.
A obra de Nelson Leirner fala por si mesma. E, penso, uma das belezas deste filme é que Carla Gallo não falou pelo autor, e este deixou que seu trabalho falasse por si mesmo. Maravilha de câmera iconoclássica.
11/9/2011
Leonardo Carmo
Fonte: Via Política: Livre Informação e Cultura
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