segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Imaginação, Cinema e Contradições I

Mestre apaixonado por Cinema e Filosofia, Leonardo Carmo, poeta, compositor, jornalista e Coordenador dos Cadernos de Cinema e Educação, entrevista o cineasta Luiz Rosemberg Filho, Rô para os mais íntimos.

Para Regina Viana, amor cinematográfico.

Luiz Rosemberg Filho - Colagem

O homem de hoje não cultiva o que não possa ser abreviado
Paul Valéry

Leonardo Carmo – Crônica de um Industrial, escolhido para representar o Brasil no Festival de Cannes, em 1978, foi censurado pela Ditadura do Golpe Militar no mesmo ano. Gostaria de perguntar ao senhor: que influências teve na produção deste filme? Que cineastas ou teóricos o influenciaram na construção desta crônica cinematográfica?

Luiz Rosemberg Filho  O nosso Crônica foi uma espécie de historização do nosso vergonhoso e trágico retrocesso político, que acabou virando um novelão no SBT. Mas não poderia virar outra coisa. Vivíamos entre a idolatria da pátria e a ignorância retumbante, imposta de cima para baixo. Só que ao invés do espetáculo com a política, como em muitos “ filmes” da época,  era o  enterro do caos interno e do despedaçamento do que nos restava ainda de humano, que nos interessava, como análise das nossas contradições.  Vinte e tantos anos de retrocesso e estamos ainda num processo demagógico sem gozo, invenção ou transgressão. Penso que o filme continua atualíssimo, poético, ousado e necessário. E como ainda estamos dominados por uma política-espetáculo é o que é como referência do saber. Convenientíssimo aos homens de negócios, bancos, religiões,  meio de comunicação e partidos políticos. Não ao saber e a poesia. E, muitos foram as contribuições visíveis de “ Macbeth” ao “ Bravo Guerreiro”. De Johann Sebastian Bach a Brecht. De Fernando Pessoa ao “ O Leopardo” de Luchino Visconti. Mas de modo algum é um trabalho ilustrativo do Outro, mas de reflexão sobretudo tudo e todos. O filme é uma espécie de sonho-trágico da nossa história. Uma cantata de Bach.

LC – Li o parecer da Censura Federal recomendando o veto ao Crônica. Temia-se que liberado, o filme derrubaria a Ditadura no País (sic). Qual foi a reação do público e da crítica quando o filme pode ser exibido?

LRF – O Brasil sempre foi um país muito estranho. Crônica não foi pensado  para ser simples, difícil ou mesmo um Manifesto Político. Foi, para todos nós um delicado e difícil aprendizado  de  novos caminhos, no caos político reinante. Compreendi que se nós  persistíssemos em avançar – o que fizemos – limparíamos em parte, a desleixada sujeirada política dos tempos em nós e no público, gostasse ele ou não. Já com relação à Censura, tenho todos os pareceres que são absolutamente cômicos e ridículos. Imagina se um filme como o Crônica mobilizaria estudantes e operários para uma revolução? E nem foi feito para isso. Mas, claro que os anos de silêncio e proibição, despotencializaram a importância reflexiva do filme e que só hoje está sendo pensado. Brasil, né? Claro também que nosso público foi e segue sendo permanentemente brutalizado, humilhado e enganado por espetáculos vazios. Leitões, Padilhas, Meirelles e outras aberrações do nosso fascismo tropical. Lixo! Passem hoje o “ Crônica” ou “ Deus e o Diabo” ou ainda “ Terra em Transe” e veja se o público entenderá como uma novelinha, ou pegará em armas. Quanto ao público de esquerda, só uma pergunta: que esquerda?

Luiz Rosemberg Filho - Colagem 


LC – Naquele momento qual era o pensamento político do senhor? Vou insistir:  a maneira como as personagens foram construídas, a trilha sonora, a montagem, tudo isso foi pensado para destruir o sistema capitalista?

LRF – O sistema capitalista sempre foi mais forte que qualquer filme. Pô, não acabaram com a Revolução de 1917? O que é a Rússia de hoje senão um prostíbulo de lindas mulheres, trabalhando para a Máfia Russa? Bem, a “nossa” revolução era vendida como vitoriosa, sucesso, estardalhaço e que seria para sempre. Deu no que deu: Sarney, Collor, FHC... Fizemos com o “ Crônica” um filme sofrido sobre o silêncio, a imobilidade, o medo, a perda e por fim a morte de tanto da política como do amor. Creia, toda desintegração de algo fundamental verdadeiramente  honesto nos matou um pouco a todos.  Uns morreram, outros envelheceram e muitos estão doentes. Queríamos outro Brasil, e o que tínhamos era só miséria, sangue e espetáculo. Mas, convinha à Ditadura, né?

LC – A trilogia Crônica, A$suntina das Amérikas  (1976) e O Santo e a Vedete, (1982), dão me impressão de ser uma escrita fílmica da história do cinema. No entanto, o pensamento parece estar banido do cinema. O que o senhor pensa disto?

LRF – São filmes diferentes, mas que de certa forma tentam questionar o pensamento brasileiro da época. Gosto muito dos três e me sinto orgulhoso pelos resultados e pelas pessoas que  trabalharam. Muitos, velhos amigos importantes que se já foram. Hoje não se questiona mais nada, pois o cinema é só dinheiro, traição, diluição, desvio do dinheiro público, burocracias, poder e um erotismo televisivo burro para as revistinhas de sacanagem. A mídia comprometida com a esculhambação do cinema e do país, também não tem o menor interesse que nada seja alterado; para usar e faturar com “ Bruna Surfistinha”, a “ Fazenda” do SBT, do BBB da  Globo e outras babaquices deixadas pela “ revolução” do capital. Mas... não seria uma maneira da tal da “ revolução” continuar de maneira indireta?

LC – Críticos respeitáveis como Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet, Fernão Ramos e Jairo Ferreira admiram seus filmes. Mas, não há estudos mais amplos sobre o cinema de Luiz Rosemberg Filho. A que o senhor atribui isso?

LRF – Me creia, nunca gostei de aparecer e aprendi isso com o meu saudoso pai, que era do velho Partidão. Também nunca usei o cinema para estar nos Festivais, festinhas, panelinhas ou zonas. Me permito não ser “ celebridade” e deixo isso para o baba ovo do Amaury Jr. Que tem mais estilo mundano com suas vedetinhas de almanaque. Tento passar e me deslocar no silêncio e na dor da existência, de se viver num país como o nosso: belo por fora e podre por dentro. Também não sou, nem nunca fui depressivo, bodado... mas desencantado com o lixo político que tivemos e que temos de suportar. Isso sem falarmos nos homens da mídia. Como falta delicadeza e entendimento ao mundo da comunicação, é o silêncio que predomina sobre nossas vidas. Ora, quem se lembra de Fernando Coni Campos, Armando Costa, Isabel Ribeiro ou Miguel Torres? O esquecimento faz parte do jogo do poder, para que predomine a mediocridade das santificadas “celebridades” do senhor Amaury Jr. Haja saco!

LC – Seu cinema tem a história como personagem central.  Nos seus filmes a realidade parece ser feita da mesma substancia dos sonhos. Quais as fontes teóricas, filosóficas, poéticas do seu cinema?

LRF – Eu uso e abuso de Albert Camus, de Oswald de Andrade, de Zé Celso, de  Tchekhov, de Godard, de Brecht, de Bergman, de Wagner, do teatro do Strindberg e do Ibsen. De Rimbaud, do Fernando pessoa e da psicanálise que fiz por muito e muitos anos. Gostaria de ter tido uma melhor formação para usar Benjamin, Marx ou mesmo Melville do genial “ Bartleby”. A invenção para mim, passa por um casamento feliz feito com vários segmentos do saber, até hiperdimensionando a imaginação como foi o caso de trabalhos como “ Imagens”, “Guerras”, os vídeos experimentais, "$em Título", “O Discurso das Imagen$”,  "Desertos” e mesmo “ As Últimas Imagens de Tebas”. Digamos que são registros da nossa barbárie sem o menor viés do espetáculo. “Dinheiro” então, é um a manifesto contra tudo e contra todos. Mas são trabalhos amorosos e delicados. A revolução com o cinema, se faz nele mesmo. Claro que, pensando a realidade sem cair no panfleto sem poesia.
  
LC  - “ Crônica de um Industrial” remete ao “Zabriskie Point” de Antonioni, ao “Teorema”, de Pasolini: eles recusam o capitalismo cada um ao seu modo. “ Crônica” abre com uma manchete de jornal em letras de sangue onde lemos uma frase de Godard: “ sempre o sangue, o poder, o dinheiro”. Mas talvez mais que Godard, o filme tem uma estrutura narrativa próxima das teorias de Eisenstein. Faz sentido para o senhor o que eu digo?

LRF – Faz mais do sentido pois é perfeita a tua colocação. O Eisenstein de o “Ivan, o Terrível”, foi um referência fundamental  para o “Crônica”, assim com o imobilismo crítico do cinema do Antonioni, do Pasolini e do Luchino Visconti de “O Leopardo” que vejo sempre. Acho hoje que essas referencias registradas inconscientemente na elaboração do “Crônica”, deram ao filme um relaxamento poético das imagens poderosas de Antonio Luis e da montagem dialética de Ricardo Miranda.  Não é um filme coca-cola, como muitos que se faz hoje aqui. Também não queríamos um filme de  identificação imediata mas de “ópios, edens”, como a poesia de Paulo Leminsky e Itamar Assumpção. É preciso também não esquecer meu encantamento declarado por filmes como “ Terra em Transe”, “Blablablá”,  e o “ Bravo Guerreiro” do Gustavo Dahl. Por isso mesmo ficou mais um filme de sonhos, dúvidas e ao de certezas. Deixamos vagar a imaginação, que só vi potencializado depois no “ Gregório de Mattos” e no “ Serras da Desordem”.

LC – É recorrente em suas análises dizer que estamos – o Brasil – vivendo o “Quarto Ato do Rei da vela”, texto teatral do escritor brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954) encenado pelo Grupo Oficina em 1967. Dá sua perspectiva qual a relação do Brasil 2011, com esse quarto ato do texto oswaldiano?

LRF – Bem, basta que se veja o que se viveu e ainda se vive em Brasília, para entendermos, ainda melhor hoje, o que eu chamo de o quarto ato do “Rei da Vela”, do Oswald. Me permito achar o nosso escritor mais próximo da modernidade,  pois foi sempre um revolucionário pela raiz. E para compreendermos a sua desmoralização das  nossas elites,basta que se veja um político – seja lá de que Partido for – falando na TV. São religiosos, bufões, cômicos e sem uma só verdade em suas muitas imagens. Parecem muito aqueles Pastores histéricos a vender suas Biblias e quinquilharias na TV. E como esse instrumento eletrônico é uma espécie de dona-de-casa da política, o novelão ta montado. O “Astro” é observado como sujeito sem história real alguma. Dança conforme a música e só lhe interessa brilhar, enganar e o poder. E faturam bastante para mentir que são políticos sérios, pastores ou “artistas””. Haja saco, né?

Luiz Rosemberg  Filho - Colagem
                  
LC – Soube que o senhor tenta viabilizar a produção de um filme em Paris onde acontece um encontro imaginário entre o Oswald de Andrade e o filósofo alemão Walter Benjamin. O senhor poderia adiantar algo do roteiro, da produção, dos atores? Qual a ponte entre a antropofagia de Oswald de Andrade e a Iluminação Profana, de Walter Benjamin?

LRF – Quando eu morava fora, disse uma vez para o Glauber que seria interessante criar um encontro imaginário entre Oswald e Benjamin. Na verdade, o que eu quis algum tempo depois foi filmar “O Diário de Moscou”, do Benjamin, analisando sua passagem pela Revolução de 1917. É um livro belíssimo, triste e já apontava que a  Revolução seria transformada num combustão ou bostão de burocarcias. Pena pois foi uma revolução criativa de verdade. Lenin, Trotski... e o Comitê Central queria uma revolução dentro das pessoas e não só fora. Não deu. Virou isso que tá aí, entre a Zona e a Máfia russa. E quem mais fatura com isso? A história é que não é. O cinema menos ainda. Pena.
                   
LC -  Existe um curta-metragem de 14 minutos, intitulado “RÔ”, dirigido e produzido em Paris por Sylvie Pierre e Georges Ulmann, em 1985. Como se deu esse encontro como esses realizadores vieram a saber do seu cinema, qual o interesse deles? De que se trata esse filme?

LRF – A Sylvie Pierre que conheci fora do país, morou no Brasil e tinha duas paixões fora o marido Georges: o David Neves e o cinema brasileiro. Nos dávamos relativamente bem, lá fora. Quando eu voltei, li um artigo dela que não era verdadeiramente terno, nem analítico em relação a minha pessoa e me afastei. Como ela tem espaço lá fora, é cortejada por uma multiplicidade de traidores e sabujos, daqui. Como não sou sabujo, nem cortejo ninguém por respaço, prefiri ficar na minha. Mas, se não estou enganado, o filme RÔ, é um documento afetivo em relação a minha estadia em Paris. Eu estava me recuperando de um acidente com um janela que caiu e quase cortou definitivamente o meu deda da mão esquerda. Mas, é mais que um registro amoroso que propriamente um documentário. Acho que nunca passou em canto algum e eu nunca mais o vi.

LC – O que poderia me dizer dos fimes “ Jardim das Espumas”, de 1970; “ Paraíso no Inferno”, 1977; “ América do Sexo”, de 1969 e “ Imagens”, de 1972? Isto para citarmos alguns de seus filmes. Do “ Imagens” só temos a sinopse: “ Sem diálogos, sem som, atores desconhecidos”. A proposta é esta mesmo?

LRF -  O “Jardim das Espumas” era um confronto radical-teatral, com o regime enlouquecido da época. Era um filme de ficção científica que mostrava o seqüestro de um embaixador. O fizemos em dez dias ou talvez menos e , foi ótimo tê-lo vivido como foi feito sem o menor viés de espetáculo. O “ Paraíso no Inferno” eu só colaborei no roteiro, pois era um longa do queridíssimo ator Joel Barcelos que conheci na juventude no CPC. Já o “Imagens” era um filme experimentalíssimo sobre o mundo silencioso que éramos obrigamos a suportar aqui. Era o mundo, sem som algum e sem letreiro. O único que aparecia era o do Glauber a quem o filme é dedicado pois ele estava proibido de voltar ao país. Mas nem mesmo ele viu pois quando eu cheguei em Paris ele foi para Roma. Quanto aos atores eram pessoas muito queridas. Amei tê-lo feito apesar do fotógrafo que era uma bosta humana! Mas como tinha uma Bolex, o usamos. Talvez seja no cinema brasileiro a única pessoa que me passa nojo. É podre por dentro e por fora. Felizmente nunca o respeitei nem como crítico. É lixo!
                   
LC – O curta-metragem “ O Espectador Que o Cinema Esqueceu”, 1991, me parece uma laegoria de um certo tipo de espectador. Como o senhor vê a dialética cinema-espectador nos dias de hoje?

LRF – Me permito achar que o senhor Waldemar, personagem principal do filme do talento Joel Yamaji, foi devidamente esquecido e superado por um público idiotizado, violento, emburrecido, empobrecido, doente e sem o menor equilíbrio emocional. Formado pela ditadura e continuado depois pelos que vieram. Engolem seja lá o que for e se sentem felizes por serem enganados com a violência-espetáculo ou com as quinquilharias da TV. Lamentavelmente o espectador de hoje é só uma constelação de aberrações vindas da TV. É Atal da “Cilada.com” ou de “ Pernas Para o Ar”. E tomem de picaretagem! De modo algum posso respeitar esse tipo de “ cinema”. Pena.

LC – Nessa linha de raciocínio gostaria que o senhor rememorasse um filme que sei lhe é muito caro. “ Gordos e Magros”, de 1976, do fotógrafo Mário Carneiro, de valiosa contribuição para o Cinema Novo. Algum fotógrafo brasileiro chama sua atenção no cinema brasileiro atual?
                   
LRF – “Gordos e Magros” foi um encontro amoroso dos velhos amigos do Mário Carneiro. Todos os figurantes (pois era o que éramos) trabalharam por prazer. Sempre fui muito agradecido a ele, por ter fotografado meu  primeiro longa com a Adriana Prieto, Echio Reis e Sindoval Aguiar. E se não ficou bom, a culpa foi só minha. Me creia, “ Gordos e Magros” é uma comédia  requintadíssima e que usei como referencia simbólica em “O Santo e a Vedete”. Mas... ainda hoje continuo gostando da velha guarda que me acompanhou pela vida: o Renaud Leenhardt, o Pedrinho de Moraes, o Antonio Luis, o Dib Lufti e o Waltinho Carvalho que fez o genial “Lavoura Arcaica”, o seu trabalho mais denso e poético. Tem o Toca Seabra que eu gosto muito. Paro por aí.


Luiz Rosemberg Filho - Colagem

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